O objetivo deste estudo é contribuir para uma melhor compreensão de Amós 5,18-20, a partir de breve análise semântica do texto.
A atividade de Amós deve situar-se da segunda metade ao final do governo de Jeroboão II, em Israel.[1] Amós era de Tecoa, pequena cidade localizada a uns dezessete quilômetros ao sul de Jerusalém. Portanto, era um judeu que foi enviado para pregar no Reino do Norte.
O texto de 1,1 indica que ele era pastor, em 7,14, Amós se considera “boiadeiro” e colhedor de sicômoros. A compra e venda de animais e o cultivo de sicômoros o obrigava a freqüentes viagens, por isso, Amós era homem informado sobre certos acontecimentos dos países vizinhos, conhecendo a fundo a situação social, política e religiosa de Israel.[2]
Mesmo não possuindo nenhuma experiência anterior no ofício ou, chamado profético, Deus o retirou do trabalho com rebanhos e o comissionou (7,15)[3]; seus atos são os de um autêntico profeta: ele tem visões e prega.
Assim, o tempo verbal mais indicado para traduzir 7,14 é o passado: “eu não era profeta, nem discípulo de profeta”.
No período da atividade profética de Amós, Israel e Judá expandiram suas fronteiras por meio de conquistas militares sobre os inimigos. Isso trouxe estabilidade e riquezas para os dois reinos. Entre si, as duas nações viviam em paz e os empreendimentos e a agricultura prosperavam.[4]
À primeira vista, esta prosperidade material indicava que os dois reinos desfrutavam o favor divino. No entanto, tal prosperidade que acompanhou o sucesso político e militar no reinado de Jeroboão II criou uma elite rica e poderosa em Israel (3,12.15; 6,4-6), onde os abastados podiam comprar a justiça (5,12), enquanto os menos afortunados eram reduzidos a escravos (2,6.7; 8,6). Logo, o pobre e necessitado era esmagado pelo poderoso (2,7; 4,1; 5,11; 8.4).
O luxo da classe alta só era possível à custa do pobre, oprimido e esquecido pelos ricos.
Importante é observar também o comportamento religioso de Israel neste período: a idolatria se tornara algo comum (2,8; 5,5.26; 7,9-13; 8,14). Este quadro de idolatria, de culto vazio e de injustiça social em Israel se tornou o foco da mensagem de Amós a respeito do julgamento divino sobre o Reino do Norte.
Com o intuito de anunciar a Israel o fim que o aguardava, Amós utiliza em 5,18-20, uma expressão muito conhecida do povo: o Dia do Senhor. Este será o primeiro eixo semântico que analisaremos neste estudo, seguido de outros dois: a escuridão e a tríade leão-urso-serpete.[5] Dessa forma, desejamos ter ao final do estudo um conhecimento maior da amplitude das palavras que o profeta dirigiu aos seus contemporâneos.
1 – O Dia do Senhor: Em Israel, o conceito popular era de que o “dia do Senhor” seria apenas um dia de bênção nacional, pois este era o povo eleito, uma nação resgatada e em relação de aliança com Javé.
Segundo Asurmendi, essa ideia é mencionada explicitamente em Is 9,3.4, onde se relembra a vitória sobre os madianitas (Jz 7-8); o “dia de Madiã” se torna ilustração da ação de Deus – do “Dia de Javé” – em favor do seu povo.[6]
Amós repudia a ideia e propõe conceito contrário: o “dia do Senhor” significaria o julgamento de Israel. Israel era exatamente igual às outras nações e não se sairia melhor no dia da ira divina.
Ao inverter a teologia e a crença popular de seu tempo, Amós age contra a corrente, demonstrando um traço característico dos profetas que é o de se colocar em oposição às opiniões de seu tempo.[7]
2 – Escuridão: Na metade de suas 80 ocorrências no AT, significa literalmente o oposto de luz. Nas poucas vezes em que os demais profetas o empregam, é quase sempre com o sentido de “juízo” (cf. Ez 32,8; Jl 2,2.31 [3,4]; Na 1,8; Sf 1,15).[8]
Contrapondo o futuro de escuridão que aguardava Israel, com a idealização de um dia de vitória feita pelo povo, Amós deixa claro que o tão desejado Dia do Senhor será um dia de maldição e não de benção; de tristeza e não de alegria, pois a nação seria condenada naquele que seria um dia de juízo.
3 – Leão-Urso-Serpente:
a) Leão: esta é uma das sete palavras que são traduzidas por “leão” no AT. É uma figura de linguagem comum para designar os inimigos de Israel, um quadro de orgulho, força e rapina: Jeremias 4,7; 5,6; Joel 1,6; Naum 2,11-13 [12-14].[9]
b) Urso: O urso é empregado como metáfora para descrever a atividade tanto dos ímpios quanto de Deus. No primeiro caso, a palavra sugere que os ímpios são basicamente animalescos – cruéis, insensíveis, egoístas e sem sensibilidade espiritual (Pv 28,15; cf. outras passagens onde os ímpios são descritos como animalescos: Sl 22,12 e ss.; Dn 7,1-8). No outro caso, a palavra sugere a ferocidade da ira de Deus lançada contra Israel em pecado (Lm 3,10; Os 13,8).[10]
c) Serpente: Esta é a palavra mais comum para designar “serpente”. É encontrada 30 vezes no AT. Em geral a “serpente” é algo mau. Mas qualquer pessoa envenenada por ela podia ser curada, por olhar simplesmente para a “serpente” de bronze. Com base em 2Reis 18,4 podemos supor que a “serpente” de bronze tornou-se uma relíquia, um fetiche religioso, e que o povo de Deus, agindo como quaisquer outras pessoas, quis adorá-la. É possível que tanto Jeremias quanto Amós estejam fazendo alusão a esse incidente no deserto quando ameaçam com castigo na forma de “serpentes” (Jr 8,17; AM 5,19; 9,3).[11]
Deus se tornara um inimigo de Israel por causa de sua impiedade. Não haveria como fugir do juízo de Javé. Mais uma vez, Amós utiliza termos cujo significado é bem conhecido de seus contemporâneos, para que entendam sua real condição diante de Javé.
Bonora diz que:
O julgamento de Deus é entendido pelo profeta como um dado simples e elementar: “Eu o suprimirei” (Am 9,8). O rei morrerá, o povo irá para o exílio, a “casa de Jeroboão”, isto é, a dinastia real será extirpada, os santuários reduzidos a ruína, o país devastado pela fome, seca, pestilência. Morte, desolação, abandono, ruína. A mensagem de desgraça não podia ser mais radical, o quadro traçado pelo profeta não podia ser mais escuro e terrível.[12]
Não podemos imaginar aqui um Amós contente e satisfeito com a mensagem que anunciara. Asurmendi diz que:
A palavra impeliu Amós a proclamar uma mensagem tanto mais dura quanto a situação social e religiosa parecia gloriosa e magnífica.Era preciso abrir os olhos de seus contemporâneos e denunciar suas ilusões: “o dia do Senhor será trevas e não luz” (5,18-20).[13]
Concluindo, Amós alertou o povo a respeito do seu terrível fim, como conseqüência da idolatria, do culto vazio prestado a Javé e da injustiça social. O desejado Dia do Senhor traria o juízo, do qual não seria possível fugir se a conduta ética da nação não fosse modificada. Afastar-se do mal, buscar o bem e implantar a justiça seria o meio pelo qual Israel poderia alcançar o perdão divino (5,14-15).
Por Cleverson Rodrigues
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASURMENDI, Jésus. Amós e Oséias. São Paulo: Paulinas, 1992.
BONORA, Antonio. Amós, o profeta da justiça. São Paulo: Paulinas, 1983.
DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2006.
HARRIS, R. Laird. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998.
HILL, Andrew E. Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2006.
SELLIN, E. & FOHRER, G. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Academia Cristã, 2007.
SICRE, José Luiz. Introdução ao Antigo Testamento. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
[1] SELLIN, E.; FOHRER, G. Introdução ao Antigo Testamento. p. 610.
[2] SICRE, José Luis. Introdução ao Antigo Testamento. p. 237.
[3] DILLARD, Raymond. Introdução ao Antigo Testamento. p. 360,361.
[4] HILL, Andrew E. Panorama do Antigo Testamento. p. 533.
[5] Segundo a tradução de Milton Schwantes.
[6] ASURMENDI, Jésus. Amós e Oséias. p. 25.
[7] Idem.
[8] HARRIS, R. Laird. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. p. 546.
[9] Ibid. p. 117.
[10] Ibid. p. 290.
[11] Ibid. p. 953.
[12] BONORA, Antonio. Amós, o profeta da justiça. p. 81.
[13] ASURMENDI, Jésus. Amós e Oséias. p. 39.
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