O Cristianismo Instaurado
O termo grego euaggélion
foi primeiramente utilizado pelos cristãos para anunciar a boa nova da salvação
em Jesus Cristo, sendo, somente mais tarde aplicável à forma escrita da nova
apostólica. Por volta de 150EC o termo passou a designar os escritos do Novo
Testamento.
O evangelho durante 30 ou 40
anos existiu apenas pela tradição oral do povo, contudo essa tradição transmitia
palavras e narrações isoladas. Somente com a propagação do Cristianismo através
da catequese dos novos convertidos foi que surgiu a necessidade de produzir um
texto que desse veracidade a nova fé e demonstrasse seus preceitos.
Segundo o livro, A formação
do novo testamento, de Oscar Cullman, a escrita do livro de Atos data 80EC.
Contudo, nosso estudo posiciona a data para redação do livro de Atos em outro
momento histórico 63EC como veremos com mais pertinência nas considerações
finais do texto.
A autoria do livro de Atos é
atribuída a Lucas por alguns fatores, tais como: a escrita polida, metódica,
desprovida de barbarismos ou neologismos e pelo extremo cuidado literário no
emprego do grego clássico.
Observa-se mediante a escrita
que o autor é getílico-cristão, ou seja, convertido do paganismo e por tal
motivo deixou de mencionar versículos de cunho mais judaicos como podemos
verificar no livro de Marcos. Prova disso é a ênfase dada à incredulidade dos
judeus contra Jesus e suas boas relações com os samaritanos (Lc.9:51-56).
O livro trata de crônicas
dedicadas ao “excelentíssimo Teófilo”. Nada se sabe sobre essa pessoa, mas
alguns historiadores acreditam tratar-se não de uma pessoa, mas de todos os adoradores
de Cristo. Dessa forma o livro seria endereçado aos novos cristãos.
Atos foi escrito em primeira e
terceira pessoas do plural. Especula-se que fossem diários de viagens
posteriormente reescritos pelo autor. Tal fato é baseado na questão do autor incluir-se
por vezes nas narrativas. Assim sendo, três fontes teriam servido ao criador do
texto: os manuscritos de Marcos, o diário de viagem de Lucas e possivelmente um
segundo diário escrito por outros apóstolos em viagens em que o autor não
esteve presente.
A linguagem do livro é
inundada por vários jargões médicos, e é sabido que Lucas era médico
(Colossenses 4:14), logo, por todas essas características atribui-se a autoria
de Atos a ele, bem como o livro que leva seu nome, sendo os dois oriundos de um
único volume posteriormente separado.
O livro não corresponde ao seu
título, por não tratar dos atos de todos os apóstolos, mas sim da instituição
da Igreja Primitiva por Pedro e posteriormente Paulo com a instituição do
missionarismo evangélico e a instauração do Cristianismo propriamente dito. Assim,
o livro não retrata seus atos, mas, a difusão do evangelho de Jerusalém até
Roma pela ação do Espírito Santo.
Embora o período do estudo
seja relativamente pequeno entre o fato ocorrido (34EC) e o tempo escrito (63EC)
apenas 29 anos, esse período foi marcado por importantes acontecimentos.
As viagens missionárias de
Paulo, o Concílio em Jerusalém, a fome no reinado do Imperador Cláudio, a
expulsão dos cristãos através de um edito do imperador e o início à perseguição
dos cristãos por parte de Nero são alguns dos principais acontecimentos
ocorridos neste pequeno período que culminaria posteriormente em 70EC com a
destruição do Templo sob o comando de Tito.
Após sua
conversão (34EC) Paulo passou a congregar na Igreja de Antioquia na Síria. E
iniciou suas viagens missionárias ao redor do mundo. Sua primeira viagem
(Antioquia, Chipre, Antioquia de Pisídia, Listra, Icônio e Derbe) é datada entre os anos 46-48EC (At. 13-14).
No ano de 49 ocorreu o Concílio
de Jerusalém, cujo objetivo era tratar se os novos batizados (gentios) deveriam
ou não adotar as práticas antigas da lei mosaica (como a circuncisão), ficando
decidido através de Tiago (bispo de Jerusalém) que bastaria que os mesmos se
abstivessem de fornicações, comerem carnes sufocadas, consumo de sangue e
adoração a ídolos (At. 15, 1-33). No mesmo ano, o Imperador Cláudio expulsou os
judeus de Roma por causa dos constantes conflitos com os judeus-cristãos em
nome de Chrestos (Cristo).
Entre 49-52
deu-se a segunda grande missão de Paulo (Listra (Timóteo) Frigia,Galáxia,
Filipos, Tessalônica, Atenas (Areópago), Corinto), e entre os anos de 54-57
Paulo viajou para Ásia Menor e Grécia com o intuito de fortalecer os discípulos
nas novas Igrejas. Logo depois, o mesmo foi detido no ano 63 da Era Comum,
mantido em cárcere privado na cidade de Roma, findando-se assim o livro de
Atos.
Por se tratar de um curto
período alguns aspectos permanecem imutáveis no que diz respeito à sociedade e
geografia. A sociedade ainda conservava a
mesma subdivisão do judaísmo juntamente com a influência direta de Roma
(paganismo) e havia um crescente número de adeptos do Messias, não somente em
Israel como por grande parte do domínio romano. Este fato se deve as viagens
missionárias de Paulo que levou aos gentios os ensinamentos de Cristo. Quanto à
geografia nenhuma mudança significativa ocorreu.
Com relação à economia, embora
a estrutura econômica fosse a mesma dos tempos anteriores, uma grande fome
afetou o mediterrâneo ocidental durante o reinado do Imperador Cláudio (At. 11:
28-30). Contudo sua data não é de fácil precisão. Segundo o historiador Josefo a chamada
“visita da fome” na Judéia data até o ano de 46 no início do mandato de Tibério
Julio Alejandro como procurador da mesma.
Início da perseguição aos
Cristãos
Roma continuou a imperar sob o
comando de Cláudio (46) e posteriormente sob o domínio de Nero (63EC). O procurador
Lucélio Albino sucedeu Pórcio Festo. O rei da Judéia no período era Agripa II
(último governante da família herodiana) e no posto de sumo sacerdote
encontrava-se Anás, que ficaria apenas três meses no poder.
A perseguição aos Cristãos primeiramente
foi praticada por parte dos próprios judeus através das figuras do sumo
sacerdote, de fariseus e saduceus. Antes,
porém, Jerusalém era tida como uma Igreja Matriz em relação às comunidades
cristãs que foram se formando. E sob essa óptica os demais judeus viam a nova
seita como uma vertente do judaísmo. Todavia, após o Concílio de Jerusalém (At.
15) um distanciamento cada vez maior ocorreu entre a Igreja e o judaísmo. O que
antes somente incomodava ficou insuportável, sendo considerado como heresia por
parte dos judeus conservadores. Além dos problemas externos, emergiam questões
de facções e divisões internas juntamente com falsos dirigentes, ameaçando
assim a estrutura da Igreja. Todo esse processo era relativamente recente
(menos de 30 anos), mas mesmo assim disseminava inveja e por tal motivo sofria
constante perseguição.
A igreja primitiva que antes
era assolada por parte dos judeus começou também a sofrer perseguição de Roma,
por ser considerada uma religião ilegal.
Foi no império de Nero que
Roma passou efetivamente a perseguir os Cristãos, já que o excêntrico imperador,
embora romano, possuía uma pretensão “egípcia” de querer ser um deus na
Terra. Assim, o que era um problema de
cunho judaico, passou ao âmbito de comprometer toda dinastia, uma vez que com
as viagens de Paulo um número cada vez maior de prosélitos gentios dava-se às
práticas do cristianismo.
Tal perseguição culminaria no
incêndio de Roma em 64EC cujo principal objetivo era acusar os cristãos para
assim justificar a perseguição e os martírios que os mesmos sofriam. Esse ato
foi o estopim para a Revolta dos Judeus (66EC) que teve como desfecho a
destruição do Templo de Jerusalém em 70 e a extinção do domínio sacerdotal no
poder do Templo.
Cronologia do estudo
Ano
|
Evento
|
30EC
|
Ascensão de Cristo: os primeiros Cristãos.
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33EC
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Pentecostes: descida do Espírito Santo
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34 EC
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Conversão de Paulo no Caminho para Damasco. (Data do tempo narrado).
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40EC
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Concílio de Jerusalém
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46EC
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Grande fome sob o reinado de Cláudio.
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46 –48 EC
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Primeira viagem missionária de Paulo.
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49-52 EC
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Segunda viagem missionária de Paulo.
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54 – 57 EC
|
Terceira Viagem Missionária de Paulo.
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63EC
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Prisão domiciliar em Roma. (Data do texto escrito).
Nero como Imperador e Agrippa II como rei da Judéia.
|
64EC
|
Incêndio de Roma – culpa atribuída aos Cristãos – início da perseguição aos seguidores de Cristo.
|
66EC
|
Revolta dos Judeus.
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70EC
|
Destruição do Templo e término do domínio
sumo-sacerdotal.
|
Considerações finais
Embora, não haja uma
concordância por parte dos historiadores com relação à data de criação do livro
de Atos, Cullmann estabelece o ano de 80EC para escrita do mesmo, contudo, a
pesquisa realizada neste estudo pressupõe outra datação; período este anterior
a 64 EC.
O capítulo 28 de atos termina
com os seguintes versos:
30 Por dois anos, permaneceu Paulo na sua própria casa, que
alugara, onde recebia todos que o procuravam,
31
pregando o reino de Deus, e, com toda a intrepidez, sem impedimento algum,
ensinava as cousas referentes ao Senhor Jesus Cristo.
Lucas ao escrever tais versos,
deixou em aberto o que acontecera com Paulo, contudo demonstrou que o apóstolo
oriundo de Tarso anunciava abertamente o nome de Cristo e tal fato não poderia
dar-se nos tempos de Nero já que o mesmo perseguia os cristãos (64 EC).
A epístola aos Fp. 1:25;
2:17-24; demonstra que Paulo ainda voltaria a anunciar o Reino de Deus aos
gentios. Assim sendo, segundo alguns historiadores, o livro de Atos teria sido
escrito no final desses dois anos, outros, dentre os quais, Ramsay MacMullen, creem
que Lucas terminou assim sua narrativa por ter concluído seu propósito, que era
o de anunciar Paulo como pregador apostólico na capital do império; ou que
ainda, possuía a pretensão de escrever um terceiro livro descrevendo os
acontecimentos posteriores, entretanto, saber a veracidade desta última
afirmação permanece impossível por ora.
Cabe, contudo, a este ensaio,
dar embasamento à datação levantada (63EC) através dos fatos históricos outrora
ocorridos.
Levando em consideração a
minuciosa escrita de Lucas, ainda mais no tangente espaço litero-geográfico supomos
que o autor não deixaria de relacionar a perseguição sofrida pelos Cristãos sob
a ordem de Nero e a posterior Revolta dos mesmos como resposta aos martírios.
Também causa estranhamento, ao
basear a obra em 80 como propõe Culmann, que o autor de Atos não tivesse nem ao
menos descrito (detalhista como era) a destruição do Templo, haja vista, que o
mesmo representava para Israel muito além da religião, sendo arquétipo da
própria política interna do país. Logo, ao considerar esses aspectos a data
proposta por Oscar Culmann não se fundamenta, uma vez que a destruição do
Templo deu-se em 70EC, a Revolta dos Judeus em 66EC e a perseguição de Nero em
64EC.
Assim sendo, melhor é datar o
evento do texto escrito concomitantemente à prisão domiciliar de Paulo,
presente nos versos finais de Atos, a saber: 63EC.
Tal perspectiva se fundamenta
já que nenhuma referência é feita sobre a morte do apóstolo e é sabido que o
mesmo foi preso e remetido para Roma. Se, para ser julgado, ou por apelo a
César não se sabe, mas há uma vertente que aponta para o fato de Paulo ter sido
acusado de cumplicidade no incêndio de Roma.
Quando ele escreve a carta
para Timóteo, Lucas o acompanha (2 Tm 4:11), os demais o haviam abandonado ou
ido à outros lugares (Tm. 1:15; 4:10-16; 10: 12).
A primeira vez que compareceu
perante o tribunal foi absolvido, contudo, permaneceu preso por outra razão,
motivo este desconhecido. Foi posteriormente condenado à morte sobre acusação
de ser Cristão.
Segundo a tradição, sua morte se
deu por decapitação em 67EC. Por ser cidadão romano foi executado na via Ósia.
Conclui-se dessa forma, que o
fim do livro de Atos é mais do que tão somente a narração da vida de Paulo.
Pois, ao narrar por três vezes no mesmo livro a conversão do mesmo,
metaforicamente Lucas faz alusão à transformação ocorrida na vida de cada
seguidor de Jesus.
O livro de Atos trata do
prenuncio da vida Cristã em conformidade com os ensinamentos de Cristo. Não de
uma forma próspera no sentido material, mas na perseverança e na
responsabilidade de carregar os auspícios de Cristo, assim como Paulo fez.
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Mapas extraídos:
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