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quarta-feira, 27 de junho de 2012

Estudo em Atos 9: 1-22 – parte final


 O Cristianismo Instaurado

O termo grego euaggélion foi primeiramente utilizado pelos cristãos para anunciar a boa nova da salvação em Jesus Cristo, sendo, somente mais tarde aplicável à forma escrita da nova apostólica. Por volta de 150EC o termo passou a designar os escritos do Novo Testamento.
O evangelho durante 30 ou 40 anos existiu apenas pela tradição oral do povo, contudo essa tradição transmitia palavras e narrações isoladas. Somente com a propagação do Cristianismo através da catequese dos novos convertidos foi que surgiu a necessidade de produzir um texto que desse veracidade a nova fé e demonstrasse seus preceitos.
Segundo o livro, A formação do novo testamento, de Oscar Cullman, a escrita do livro de Atos data 80EC. Contudo, nosso estudo posiciona a data para redação do livro de Atos em outro momento histórico 63EC como veremos com mais pertinência nas considerações finais do texto.
A autoria do livro de Atos é atribuída a Lucas por alguns fatores, tais como: a escrita polida, metódica, desprovida de barbarismos ou neologismos e pelo extremo cuidado literário no emprego do grego clássico.
Observa-se mediante a escrita que o autor é getílico-cristão, ou seja, convertido do paganismo e por tal motivo deixou de mencionar versículos de cunho mais judaicos como podemos verificar no livro de Marcos. Prova disso é a ênfase dada à incredulidade dos judeus contra Jesus e suas boas relações com os samaritanos (Lc.9:51-56).
O livro trata de crônicas dedicadas ao “excelentíssimo Teófilo”. Nada se sabe sobre essa pessoa, mas alguns historiadores acreditam tratar-se não de uma pessoa, mas de todos os adoradores de Cristo. Dessa forma o livro seria endereçado aos novos cristãos.
Atos foi escrito em primeira e terceira pessoas do plural. Especula-se que fossem diários de viagens posteriormente reescritos pelo autor. Tal fato é baseado na questão do autor incluir-se por vezes nas narrativas. Assim sendo, três fontes teriam servido ao criador do texto: os manuscritos de Marcos, o diário de viagem de Lucas e possivelmente um segundo diário escrito por outros apóstolos em viagens em que o autor não esteve presente.
A linguagem do livro é inundada por vários jargões médicos, e é sabido que Lucas era médico (Colossenses 4:14), logo, por todas essas características atribui-se a autoria de Atos a ele, bem como o livro que leva seu nome, sendo os dois oriundos de um único volume posteriormente separado.
O livro não corresponde ao seu título, por não tratar dos atos de todos os apóstolos, mas sim da instituição da Igreja Primitiva por Pedro e posteriormente Paulo com a instituição do missionarismo evangélico e a instauração do Cristianismo propriamente dito. Assim, o livro não retrata seus atos, mas, a difusão do evangelho de Jerusalém até Roma pela ação do Espírito Santo.

 Contexto histórico-social
 
Embora o período do estudo seja relativamente pequeno entre o fato ocorrido (34EC) e o tempo escrito (63EC) apenas 29 anos, esse período foi marcado por importantes acontecimentos.
As viagens missionárias de Paulo, o Concílio em Jerusalém, a fome no reinado do Imperador Cláudio, a expulsão dos cristãos através de um edito do imperador e o início à perseguição dos cristãos por parte de Nero são alguns dos principais acontecimentos ocorridos neste pequeno período que culminaria posteriormente em 70EC com a destruição do Templo sob o comando de Tito.
Após sua conversão (34EC) Paulo passou a congregar na Igreja de Antioquia na Síria. E iniciou suas viagens missionárias ao redor do mundo. Sua primeira viagem (Antioquia, Chipre, Antioquia de Pisídia, Listra, Icônio e Derbe)  é datada entre os anos 46-48EC (At. 13-14).
No ano de 49 ocorreu o Concílio de Jerusalém, cujo objetivo era tratar se os novos batizados (gentios) deveriam ou não adotar as práticas antigas da lei mosaica (como a circuncisão), ficando decidido através de Tiago (bispo de Jerusalém) que bastaria que os mesmos se abstivessem de fornicações, comerem carnes sufocadas, consumo de sangue e adoração a ídolos (At. 15, 1-33). No mesmo ano, o Imperador Cláudio expulsou os judeus de Roma por causa dos constantes conflitos com os judeus-cristãos em nome de Chrestos (Cristo). 
Entre 49-52 deu-se a segunda grande missão de Paulo (Listra (Timóteo) Frigia,Galáxia, Filipos, Tessalônica, Atenas (Areópago), Corinto), e entre os anos de 54-57 Paulo viajou para Ásia Menor e Grécia com o intuito de fortalecer os discípulos nas novas Igrejas. Logo depois, o mesmo foi detido no ano 63 da Era Comum, mantido em cárcere privado na cidade de Roma, findando-se assim o livro de Atos.
Por se tratar de um curto período alguns aspectos permanecem imutáveis no que diz respeito à sociedade e geografia. A sociedade ainda conservava a mesma subdivisão do judaísmo juntamente com a influência direta de Roma (paganismo) e havia um crescente número de adeptos do Messias, não somente em Israel como por grande parte do domínio romano. Este fato se deve as viagens missionárias de Paulo que levou aos gentios os ensinamentos de Cristo. Quanto à geografia nenhuma mudança significativa ocorreu.
Com relação à economia, embora a estrutura econômica fosse a mesma dos tempos anteriores, uma grande fome afetou o mediterrâneo ocidental durante o reinado do Imperador Cláudio (At. 11: 28-30). Contudo sua data não é de fácil precisão. Segundo o historiador Josefo a chamada “visita da fome” na Judéia data até o ano de 46 no início do mandato de Tibério Julio Alejandro como procurador da mesma.
    

Início da perseguição aos Cristãos
 
Roma continuou a imperar sob o comando de Cláudio (46) e posteriormente sob o domínio de Nero (63EC). O procurador Lucélio Albino sucedeu Pórcio Festo. O rei da Judéia no período era Agripa II (último governante da família herodiana) e no posto de sumo sacerdote encontrava-se Anás, que ficaria apenas três meses no poder.
A perseguição aos Cristãos primeiramente foi praticada por parte dos próprios judeus através das figuras do sumo sacerdote, de fariseus e saduceus.  Antes, porém, Jerusalém era tida como uma Igreja Matriz em relação às comunidades cristãs que foram se formando. E sob essa óptica os demais judeus viam a nova seita como uma vertente do judaísmo. Todavia, após o Concílio de Jerusalém (At. 15) um distanciamento cada vez maior ocorreu entre a Igreja e o judaísmo. O que antes somente incomodava ficou insuportável, sendo considerado como heresia por parte dos judeus conservadores. Além dos problemas externos, emergiam questões de facções e divisões internas juntamente com falsos dirigentes, ameaçando assim a estrutura da Igreja. Todo esse processo era relativamente recente (menos de 30 anos), mas mesmo assim disseminava inveja e por tal motivo sofria constante perseguição.
A igreja primitiva que antes era assolada por parte dos judeus começou também a sofrer perseguição de Roma, por ser considerada uma religião ilegal.
Foi no império de Nero que Roma passou efetivamente a perseguir os Cristãos, já que o excêntrico imperador, embora romano, possuía uma pretensão “egípcia” de querer ser um deus na Terra.  Assim, o que era um problema de cunho judaico, passou ao âmbito de comprometer toda dinastia, uma vez que com as viagens de Paulo um número cada vez maior de prosélitos gentios dava-se às práticas do cristianismo.
Tal perseguição culminaria no incêndio de Roma em 64EC cujo principal objetivo era acusar os cristãos para assim justificar a perseguição e os martírios que os mesmos sofriam. Esse ato foi o estopim para a Revolta dos Judeus (66EC) que teve como desfecho a destruição do Templo de Jerusalém em 70 e a extinção do domínio sacerdotal no poder do Templo.


Cronologia do estudo
 

Ano
Evento
30EC
Ascensão de Cristo: os primeiros Cristãos.
33EC
Pentecostes: descida do Espírito Santo
34 EC
Conversão de Paulo no Caminho para Damasco. (Data do tempo narrado).
40EC
Concílio de Jerusalém
46EC
Grande fome sob o reinado de Cláudio.
46 –48 EC
Primeira viagem missionária de Paulo.
49-52 EC
Segunda viagem missionária de Paulo.
54 – 57 EC
Terceira Viagem Missionária de Paulo.
63EC
Prisão domiciliar em Roma. (Data do texto escrito).
Nero como Imperador e Agrippa II como rei da Judéia.
64EC
Incêndio de Roma – culpa atribuída aos Cristãos – início da perseguição aos seguidores de Cristo.
66EC
Revolta dos Judeus.
70EC
Destruição do Templo e término do domínio
sumo-sacerdotal.
 

Considerações finais
 
Embora, não haja uma concordância por parte dos historiadores com relação à data de criação do livro de Atos, Cullmann estabelece o ano de 80EC para escrita do mesmo, contudo, a pesquisa realizada neste estudo pressupõe outra datação; período este anterior a 64 EC.
O capítulo 28 de atos termina com os seguintes versos:
30 Por dois anos, permaneceu Paulo na sua própria casa, que
alugara, onde recebia todos que o procuravam,
31 pregando o reino de Deus, e, com toda a intrepidez, sem impedimento algum, ensinava as cousas referentes ao Senhor Jesus Cristo.
           
Lucas ao escrever tais versos, deixou em aberto o que acontecera com Paulo, contudo demonstrou que o apóstolo oriundo de Tarso anunciava abertamente o nome de Cristo e tal fato não poderia dar-se nos tempos de Nero já que o mesmo perseguia os cristãos (64 EC).
A epístola aos Fp. 1:25; 2:17-24; demonstra que Paulo ainda voltaria a anunciar o Reino de Deus aos gentios. Assim sendo, segundo alguns historiadores, o livro de Atos teria sido escrito no final desses dois anos, outros, dentre os quais, Ramsay MacMullen, creem que Lucas terminou assim sua narrativa por ter concluído seu propósito, que era o de anunciar Paulo como pregador apostólico na capital do império; ou que ainda, possuía a pretensão de escrever um terceiro livro descrevendo os acontecimentos posteriores, entretanto, saber a veracidade desta última afirmação permanece impossível por ora.
Cabe, contudo, a este ensaio, dar embasamento à datação levantada (63EC) através dos fatos históricos outrora ocorridos.
Levando em consideração a minuciosa escrita de Lucas, ainda mais no tangente espaço litero-geográfico supomos que o autor não deixaria de relacionar a perseguição sofrida pelos Cristãos sob a ordem de Nero e a posterior Revolta dos mesmos como resposta aos martírios.
Também causa estranhamento, ao basear a obra em 80 como propõe Culmann, que o autor de Atos não tivesse nem ao menos descrito (detalhista como era) a destruição do Templo, haja vista, que o mesmo representava para Israel muito além da religião, sendo arquétipo da própria política interna do país. Logo, ao considerar esses aspectos a data proposta por Oscar Culmann não se fundamenta, uma vez que a destruição do Templo deu-se em 70EC, a Revolta dos Judeus em 66EC e a perseguição de Nero em 64EC.
Assim sendo, melhor é datar o evento do texto escrito concomitantemente à prisão domiciliar de Paulo, presente nos versos finais de Atos, a saber: 63EC.
Tal perspectiva se fundamenta já que nenhuma referência é feita sobre a morte do apóstolo e é sabido que o mesmo foi preso e remetido para Roma. Se, para ser julgado, ou por apelo a César não se sabe, mas há uma vertente que aponta para o fato de Paulo ter sido acusado de cumplicidade no incêndio de Roma.
Quando ele escreve a carta para Timóteo, Lucas o acompanha (2 Tm 4:11), os demais o haviam abandonado ou ido à outros lugares (Tm. 1:15; 4:10-16; 10: 12).
A primeira vez que compareceu perante o tribunal foi absolvido, contudo, permaneceu preso por outra razão, motivo este desconhecido. Foi posteriormente condenado à morte sobre acusação de ser Cristão.
Segundo a tradição, sua morte se deu por decapitação em 67EC. Por ser cidadão romano foi executado na via Ósia.
Conclui-se dessa forma, que o fim do livro de Atos é mais do que tão somente a narração da vida de Paulo. Pois, ao narrar por três vezes no mesmo livro a conversão do mesmo, metaforicamente Lucas faz alusão à transformação ocorrida na vida de cada seguidor de Jesus.
O livro de Atos trata do prenuncio da vida Cristã em conformidade com os ensinamentos de Cristo. Não de uma forma próspera no sentido material, mas na perseverança e na responsabilidade de carregar os auspícios de Cristo, assim como Paulo fez.


BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, João Ferreira de, Bíblia: revista e atualizada, 2ª Ed. São Paulo:

         Sociedade Bíblica do Brasil, 2006.

CULMANN, Oscar. A Formação do Novo Testamento. 7ª ed. São Leopoldo:

                    Sinodal: 2001.

DAVIS, John D. Dicionário da Bíblia. 8ª ed. Rio de Janeiro: Juerp, 1982.


GUNDRY, Robert H.. Panorama do Novo Testamento. Vida Nova: São Paulo,

        1981, p.23.

JEREMIAS, Joaquim. Jerusalém no Tempo de Jesus: Pesquisas de história

       econômico social no período neotestamentário. São Paulo:1983. Paulinas.


KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. 2ª ed. Paulos, 1997.
     

LAWRENCE, Paul. Atlas Histórico de Israel. SBB, 2001.


MERRIL C. TERRILL, O Novo Testamento – Sua Origem e Análise. São

                    Paulo:Vida Nova,1972.


            SILVA, Andréia Cristina L. Frazão da. A palestina no século I D.C.

                   http://www.ifcs.ufrj.br/~frazão/palestina. htm
 

            STARK, Rodney. Crescimento do Cristianismo: Um sociólogo Reconsidera a

                   História. São Paulo: Paulinas, 2006.

     

Fontes da Internet


http://www.priberam.pt/DLPO/

Mapas extraídos:


DAVIS, John D. Dicionário da Bíblia. 8ª ed. Rio de Janeiro: Juerp, 1982.













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