Em 2009 um grupo de
colegas, estudantes de exegese bíblica decidiu criar este blog intitulado: a
Bíblia sem poeira e para nossa infelicidade acabamos por acomodar poeira em
nossas bíblias.
Bom, resolvi tirar o espanador do armário e retomar o blog. Então que caia por terra toda poeira anteriormente aqui contida! Que
o mesmo venha a ser bênção em sua vida.
Isto posto, segue um ensaio sobre o
método comparativo, ou a intertextualidade dos textos. O mesmo será dividido em
duas partes. Na segunda constará a aplicação do método propriamente dita. Sendo feita a análise do
livro de Daniel capítulo 2 versículos 1-3; 5-6; 10, 12; 14-20; 23-47 em
confronto com outros textos bíblicos tais como Isaías, Ezequiel, Apocalipse e
outros. Shalom!!!
O Método Comparativo nas diversas vozes do Texto.
O
presente ensaio pretende demonstrar a importância de utilizar o método comparativo
para entender melhor os arquétipos das diversas religiões.
Mas
qual a importância de tal método? Que contribuição o mesmo pode apresentar ao
leitor comum? Quais as vantagens de sua utilização, por exemplo, no estudo
bíblico das Igrejas?
A
resposta é: TODA importância! Um texto como sabemos não é um emaranhado de
frases desconexas e que o mesmo é fruto da comunidade que o produziu. Ao conhecer essa comunidade, torna-se
possível entender seu pensamento e sua religiosidade.
Mas
para quê estudar a religião alheia? Em que isso beneficia minha crença? Muitos
neste ponto diriam que o melhor é “não se contaminar”.
Contudo,
o fato é que ao estudar a fenomenologia religiosa de diversos povos, pode-se
perceber como se dá o contato do homus
religiosos com seu credo e quais as diferenças entre as várias religiões. E
nesse sentido o leitor só tende a ganhar, uma vez que cresce em conhecimento e
pode através de tais confrontos ver reafirmada sua fé; além de aprender a
respeitar a liberdade religiosa do próximo.
Por
exemplo, através do comparativismo textual percebe-se que o único Deus
libertador em todas as religiões é YHVH, como descrito no livro de êxodo (Deus
que se compadece de sua criação e vem em seu auxílio).
Já os deuses de outras culturas
criaram o homem para os servirem, por estarem fadados de tantos afazeres, ou
por se “alimentarem” da adoração do homem. Assim o o Ser humano não é “a
criatura de Deus, feita a sua imagem e semelhança” e sim meramente “um servo”
para suprir suas necessidades.
Pode-se
observar também a questão do conflito das sociedades patriarcais e matriarcais,
no que diz respeito à cosmogonia de diversos povos. Através de leituras de
textos babilônicos como o Enuma Elish (Tiamat)
e outros textos mitológicos como oriundos da caldeia (Ishtar e Ninsuna),
Asherah em Canaã, Astarté na Síria, Afrodite na Grécia, Vênus em Roma é
possível traçar um paralelismo, por exemplo, com gênesis 1 apreendendo assim o
momento que as vozes matriarcais foram perdendo valor em consonância com a
ascensão do patriarcalismo.
Vê-se
ainda, dentre abordagens infindas, as vozes de outros textos como a epopéia de Gilgamesh no texto bíblico da narrativa de Noé.
Observando-se assim que o dilúvio era uma preocupação abrangente em toda a região
da Mesopotâmia.
Percebe-se
através do método comparativo que há duas formas do sagrado manifestar-se no
homem, a saber:
De maneira Heterônoma→ na qual o
sagrado manifesta-se fora do sujeito. E nesse âmbito temos, por exemplo, o
cristianismo, o islamismo, o judaísmo... não importando aqui considerar o local
dessa manifestação. Se no monte, rios, ou na cachoeira;
De forma Autônoma → na qual o sagrado
está dentro do sujeito, contido nele, cabendo a este uma interiorização
profunda a fim de entrar em contato com o seu sagrado. E nesse âmbito temos o budismo,
onde cabe ao homem entrar em contato com o seu “eu” interior a fim de encontrar
o nirvana.
É
através do comparativismo textual que se pode também entender o momento onde El torna-se um dei otiosi e em contra partida Ba’al
toma seu lugar na adoração do povo cananeu. Ou seja, quando o homem passa a
controlar a agricultura o Deus criador deixa de ter seu valor maior agregado,
pois nesse momento é necessário um deus que possa suprir as carências da terra,
tornando-a próspera ao plantio.
Ao
utilizar o conceito de dei otiosi
apresentado por Mircea Eliade é possível avaliar também a vertente do espiritismo
defendida por Allan Kardec, o qual se apropriou de vários conceitos
positivistas para fundamentar sua religião.
Observar-se-á
o excerto abaixo do livro O Sagrado e o
Profano de Eliade que explicita melhor esse conceito.
[...O fenômeno do “afastamento” do Deus
supremo revela-se desde os níveis arcaicos de cultura.]
[...O Habitante do Céu, ou aquele que está no
Céu é eterno, onisciente, onipotente, criador, mas a criação foi concluída e
Deus se isolou dos homens e atualmente está indiferente as coisas do mundo.]
[...o grande Deus celeste, o Ser supremo,
criador e onipotente, desempenha um papel insignificante na vida religiosa da
tribo. Encontra-se muito longe, ou é bom demais para ter necessidade de um
culto propriamente dito, e invocam-no apenas em casos extremos.]
Nesse
sentido, ao comparar o espiritismo com o Cristianismo pode-se observar que
embora os espíritas creiam em um deus, o mesmo encontra-se ocioso, uma vez que
tal vertente de certa forma defende o autonomismo espiritual, haja vista que
cabe ao homem retornar por diversas vezes, através da reencarnação, para a
total expurgação de seus pecados e uma posterior evolução, a fim de ir a um
plano superior. E nesse âmbito entra toda a importância e aplicação do método
comparativo, pois ao confrontar as duas vertentes, pode-se observar que embora
digam crer em Jesus o mesmo torna-se dei
otiosi para eles, pois deixa de
possuir a divindade de ser filho de Deus e passa a ser um exemplo de caridade a
ser seguido. A Jesus deixa de ser atribuída a salvação e esta passa a depender
única e exclusivamente do homem, retornando diversas vezes à vida até uma
evolução total, ignorando-se por completo o plano divino para salvação humana.
Mas
o método comparativo não é útil somente para o estudo das diversas religiões.
Ele é essencial para entender melhor o texto. E assim sendo seu uso na Bíblia e
para a Bíblia torna-se de suma importância para compreender melhor as vozes do
texto bíblico.
Por
exemplo, a primeira vista o livro de apocalipse pode parecer uma colcha de
retalhos, ou seja, complexo demais devido a estrutura textual repleta de
metáforas, metonímias etc; ou ainda suas vozes, ora remetendo ao passado, por
vezes, o presente e ora ao futuro.
Mas
se o leitor a partir do estudo de apocalipse utilizar o método comparativo com
outros livros da Bíblia, como Isaías, poderá melhor compreender o que João
pretendia explicitar ao escrevê-lo.
Posteriormente farei essa
aplicabilidade do método comparativo, a fim de demonstrar como o aprendizado
pode dar-se de maneira mais abrangente através de tal caminho.
Em Cristo,
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